Habitação Cooperativa
Os primeiros passos do MCH (movimento cooperativo habitacional) em Portugal foram dados em dezembro de 1974. Ainda o 25 de abril era criança quando surgiu a primeira legislação de enquadramento e apoio do setor, fruto da revolução dos cravos que veio dar muita esperança a todo um povo ávido de melhores dias.
Apesar dos ventos favoráveis que então sopravam, não foram nada fáceis os primeiros momentos e caminhos trilhados pelos que ousaram trabalhar pela causa. As necessidades de uma casa condigna eram mais que muitas, a vontade que muitos tiveram em fazer parte das novas possibilidades e soluções também, mas as dificuldades resultantes da inexperiência dominante para tão complexa tarefa mostraram-se bem difíceis de ultrapassar.
Muito paulatinamente foi, porém, possível, primeiro a poucos e logo a muitos, ir em frente e em bom caminho com os respetivos processos iniciais. Assim, rapidamente se constituíram e legalizaram algumas dezenas de cooperativas de norte a sul, se conseguiam do Estado os primeiros financiamentos para projetos e obras e, a partir de 1976, a importante ação do poder local democrático foi acrescentando o que, fundamentalmente, faltava: – terrenos acessíveis para construção e apoio na realização das indispensáveis obras de infraestruturas.
Passaram então a nascer casas, muitas casas, fruto da iniciativa cooperativa que progressivamente florescia. As pessoas tinham o problema da falta de casa, mas para a obter dispuseram-se, também, a fazer parte da solução.
Disponibilizaram e concentraram, muitas vezes a partir de magros rendimentos disponíveis, as suas pequenas poupanças com alta taxa de esforço, e fizeram uma brilhante aprendizagem participativa, organizativa, democrática e cívica.
As casas das cooperativas não eram apenas mais baratas, eram também muito melhores. Aprendeu-se muito com algumas boas práticas oriundas do norte da europa que á época eram a grande escola do cooperativismo: – “a casa cooperativa” começava mesmo fora das suas quatro paredes, logo no espaço e jardim envolvente do prédio e sobretudo nas áreas a criar e desenvolver destinadas a apoio social, lazer, desporto, cultura e recreio dos residentes.
Estas seriam, foram mesmo, e são ainda hoje, casas bem distintas das demais, sejam do setor público ou privado.
Em resultado do trabalho de organização e apoio da FENACHE e das cerca de 300 cooperativas que chegaram a operar no setor, foi alcançado um volume e ritmo de construção que, nalguns períodos, chegou a atingir as 12.000 casas/ano. O balanço global deste magnifico trabalho saldou-se em perto de 200.000 casas de que beneficiaram igual número de famílias.
No plano conceptual do sistema nem tudo correu da melhor forma. O modelo desenvolvido em maior escala acabou por cair num certo desvirtuamento quando se passou do mero uso da casa á sua posse efetiva em propriedade plena. Para além (da sempre forte) questão cultural inerente, os mecanismos de financiamento individual á compra de casa própria a isso inevitavelmente conduziriam.
Deixou-se, assim, de poder falar de um “parque habitacional cooperativo”, mas de canalizar a produção cooperativa para o tradicional “parque habitacional de propriedade individual”.
E isto foi o que fez toda a diferença.
A primeira fase de “uso social da habitação” – em que esta se manteria sempre propriedade da cooperativa – deu então lugar á passagem dos membros cooperadores para um novo “movimento de proprietários”, na medida em que se tornaram donos individuais do seu uso, e logo posterior destino como uma “mercadoria” e não de um bem de uso social.
Assim, aquilo que hoje poderia ser um “excelente parque habitacional cooperativo” gerido pelo próprio movimento e capaz de poder alavancar soluções de alojamento acessível para “novos públicos de utilizadores sociais” tornou-se, progressivamente, em instrumento de comercio fácil e lucrativo para os que, sem controle possível, passaram a livremente transacionar a sua casa cooperativa.
Veio, depois, a crise financeira e económica do início do século, que fez sucumbir o mercado imobiliário em geral e também o que restava do setor cooperativo em termos de potencialidade e capacidade construtiva. Remanesceram apenas (e muito bem) aquelas que, empenhada e denodadamente, se lançaram na construção e gestão de amplos e diversificados serviços de resposta social aos membros e comunidades envolventes, em áreas que vão desde o apoio á infância, cultura, ensino, desporto, lazer até á terceira idade.
E o que fazer agora, com todo este capital de experiência acumulada, para que as cooperativas possam, de novo, constituir uma boa fonte de resposta às atuais (e brutais) debilidades do mercado da habitação, por forma a que possamos fazer jus ao título: HABITAÇÃO COOPERATIVA – porque sim!
Haverá, assim queira quem manda, a possibilidade de reeditarmos uma nova fase de ação do movimento cooperativo, conjugando agora da melhor forma as boas práticas e experiências vividas com um novo enquadramento legal de posse da habitação para mero uso, adotando e regulando adequadas modalidades de arrendamento e, desejavelmente, através da possibilidade de adoção da figura jurídica “cooperativa de interesse público”, cuja legislação vigente estabelece já regulação nas chamadas régie-cooperativas.
Esta seria, digo, deveria mesmo ser, a figura jurídica e social melhor apropriada para o novo desígnio da ação do Governo na resposta pública necessária a combater a crise da habitação, a solução que possibilitaria ás cooperativas assim constituídas e organizadas, devidamente enquadradas e reguladas, aceder aos patrimónios públicos existentes como terrenos e/ou edificações hoje sem qualquer utilidade e por isso obsoletas, porque desnecessárias aos seus fins e usos iniciais, quer sejam pertença do Estado Central e suas dependências ou das próprias Autarquias Locais.
Há, assim, que conseguir obter e saber concentrar as necessárias condições e todas as energias que nos possibilitem “um novo tempo e espaço para intervenção do setor cooperativo” no importante desígnio nacional do combate às tremendas carências da habitação existentes nos tempos que correm…
Por isso dizemos: Habitação Cooperativa – porque sim!